sexta-feira, 26 de março de 2010

Um copo de café e uma aspirina, por favor.

Um copo de café e uma aspirina, por favor.
Que se explodam comigo todos os comigos de mim,
(com o perdão de Pessoa)
Sente-se senhora, o seu chá virá em um instante,
Já se passaram das cinco horas,
O chá atrasou!
Onde está sua pontualidade britânica, Sir?
Torradas para acompanhar o chá?
Temos os mais deliciosos patês!
Ah! Coisa chata esses britânicos,
E os americanos!
Gosto mesmo dos depressivos,
Eles sim sabem viver a vida!
Ou não...

Onde está a minha aspirina?
A essa altura o café esfriou.
Não, ainda está morno,
Mas está sem açucar!
Quem em sã consciência me traz um café sem açucar?
É um ultraje!
Quero falar com o gerente!

Menina bonita a do caixa,
Percebi que me olhou umas duas vezes,
Tenho que mudar de lugar,
Minha vermelhidão envergonhada já transpassa minha pele negra.

Como está vazio isso hoje!
Realmente o serviço não é mais o mesmo de anos atrás.
Quando dessa terra provinham pessoas educadas,
Com caráter!
Ah! Sim! Agora chegou minha aspirina!
Por incrível que pareça a cabeça não mais dói.
Mas tomo a aspirina por preucação.

Oh! Deus!
Oh! Nietszche!
Quero forças,
Quero sucos de laranja com gelo,
Quero forcas para os insolentes,
Quero filosofias milenares!
Quero entender Kant!
Quero uma explicação consisa e precisa do porquê de aceitar Jesus!
Até agora não tive nada,
Até agora só uma aspirina e um café.

Penso em um pedaço de torta,
A vi no balcão,
Parecia apetitosa.
Mas está acima do que posso gastar
E não sei se conseguirei comê-la sozinho,
Preciso de alguém com quem dividir.
Pena que meus amigos ficaram no passado,
Em outro lugar,
Em outra vida,
Em outro eu.

A senhora do chá com torradas já foi.
Puxando seu cachorro pela coleira.
Um cachorro feio por assim dizer,
Um tanto desgostoso por estar naquela situação, creio eu.
Soltou-se da coleira e correu atrás de um gato que passou,
Desesperada, em gritos ela o chamava "Munford! Volte aqui menino!"
Acho que o pobre cachorro nunca havia se sentido tão vivo.

Ri daquela situação,
Percebi que a menina do balcão também ria
E olhava para mim,
Como que se esperando algum comentário.
Baixei os olhos.
Voltei ao fundo da minha xícara.

Ainda quero aquele suco de laranja!
Vejo que a menina do balcão se aproxima,
Suo.
Não quero mais café, obrigado.
Mas um suco de laranja seria bom, por favor.
Com gelo.

Já passam das seis,
O trem para casa a essa hora não é muito convidativo,
Mas há outras coisas a serem feitas.

Olhe aqueles dois homens ali,
Colegas de trabalho talvez,
Vestem-se como quem tem trabalho importante,
Com suas pastas de couro do lado,
Papéis e mais papéis devem se perder ali dentro,
Grandes contratos,
Milionários talvez,
Entre grandes empresas,
Talvez do ramo imobiliário.
É o ramo que mais cresce por aqui.
Eles sim são importantes!
São os homens que movimentam o mundo.
E o que eu faço?
Escrevo sobre esses homens,
Conto suas histórias,
Leio suas mentes e crio seus mundos no papel.
Toda minha vida é um grande passatempo,
Uma brincadeira infantil.
Mas não pense que lamento,
Sou feliz com isso,
Não aguentaria o peso de ter a responsabilidade de movimentar o mundo.

Enquanto isso continuo na minha brincadeira.
Pago meu café e meu suco,
A menina do balcão me dá outra aspirina.
"Em caso da dor voltar"
Sorrio um sorriso verdadeiro para ela,
Pego meu troco e saio.

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