terça-feira, 28 de maio de 2013

vista turva

turva
a vista desenha contornos;
não me agrada tanta luz.

os óculos, já embaçados pelo suor,
não me prestam mais de nada.

astigmatizado, tento apertar os olhos, 
sem efeito para qualquer causa.

hipermetrópico, tento aproximar os letreiros eletrônicos que se chocam com a luz exagerada do sol.

nada vejo
e perco a condução.

Nada há


nada mais há,
nada há.
nem o silêncio há,
pois é falta
e a falta é nada.

mas o silêncio me grita as horas
no bater do ponteiro
ressoante, perfurador
de sonhos.

domingo, 7 de abril de 2013

A mosca


pinta o preto da mosca
sobre o piso da sala;
foi procurar salvação
sob a sola da sandália.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Sonho em preto-e-branco


crio cores no escuro;
traços, retratos,
em sonhos

vira ao mundo
à face
e vira-se ao avesso
o mundo
nas fases da lua

a noite cria imagens
no escuro de algum sonho
como fotografia velha
em preto-e-branco.

A saudade

já pressinto a saudade bater à porta,
ela chega como a amante
que te espera ir embora,
não pede licença
nem se esquenta
com meu asco,
quer invadir meu castelo
e fazer papel de carrasco;
arrancando-me o coração

domingo, 24 de março de 2013

Reservado

É como se afligido pelo medo
não te verso como devo;
eu quero que seja perfeito
cada traço que te escrevo.

E que seja simples
como o é o amor
que nutre em minhas veias
batucando o coração
nas noites de lua cheia
como o lobo da canção,
perseguindo-a na cama
e tateando o pouco espaço dos corpos espremidos
com a mão.

Inundação

quebrado em pedaços os enlaços
dos braços
como os versos dispersos
de um poema sem nexo

segue livre em seu rumo
o sumo do meu corpo
sobre o ventre exposto
ao meu puro deleite...

...e não minto quando digo que isto apraz o meu gosto.

Cagada de pombo

as palavras dos poemas voam longe como as penas das asas dos pombos
pousados nos fios
regados ao choque
e ao pouco de milho
que a velha maloca
coloca no prato
de tampa de lata
mordida de rato
e os enche a bucha
com a pouca pipoca
ainda não estourada
que em pouco tempo
já transformada
cairá sobre sua cabeça
como uma bela cagada.

Relógio de parede

há um relógio pendurado na parede da cozinha,
o tic-tac dos seus segundos parecem se demorar mais
do que o tic-tac dos segundos dos outros relógios normais.

é como se quisessem se estender num propósito anormal;
é certo que o sono leva a um piscar de olhos
que traz em cada um de si um sonho
e que o segundo
não é mais o mesmo
pois não mais nesse mundo
os sonhos se inundam
com o tic-tac do relógio
da parede da cozinha.

sexta-feira, 22 de março de 2013

The fim


um pequeno sopro,
o último suspiro
o derradeiro passeio
ao infinito.

carregando os maiores clichês em suas pálpebras
os olhos se fecham, desapercebidos
do bater à porta
em seu ritmo
de repeteco
do mesmo sonho
da noite anterior.

mas dessa vez não vem em sonho
o tribunal em que a morte julga
o mais medonho
e hediondo
dos crimes de deus.

eu fecho os olhos
pois tenho sono
e não mais regulo o pensamento
e não mais me mostro o mais afoito.

toco na mão dos anjos
que me observam
e me esperam.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Nas noites cinzentas


nas noites cinzentas
enevoadas por milhares de cigarros acesos,
as ruas se perdem
entre si

por dentro dos becos
crianças correm esvoaçadas
como se não existisse a fome que nos cerca
e sorriem ao me ver passar

em suas brincadeiras o bem sempre vence o mal;
sinto, então, que ali há a pureza
que tanto nos falta
e sorrio de volta

tantas luzes acesas
não são capazes de sobrepor a escuridão do ar
embebida pelo medo
do desconhecido
e do caso acontecido
noticiado pelos jornais.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Fotografia



guardo o momento,
na retina
na lente
no cartão de memória,
como presente,
para que no futuro
relembre
aquele milésimo de segundo.